Quase todos os dias, ali pela hora do almoço, uma discreta fila se forma na frente de um restaurante que atrai a clientela, primeiro, pelo preço. Por 15 reais (10 às segundas-feiras, 18 aos sábados), come-se à vontade no buffet. Aberto em julho de 2017, o Pop Vegan Food fica em São Paulo e é uma das formas que Carolina Caliman, 35, encontrou de fazer ativismo vegano. Tudo do buffet — e também da pizzaria, que funciona à noite no mesmo local — é feito com os mais variados ingredientes (todos de origem vegetal) e “com muito amor”, elemento que ela aponta como o segredo do sucesso.
A empreendedora, que não consome nada de origem animal desde os 15 anos, acredita que unir a paixão ativista aos negócios está funcionando bem. Além do Pop, ela também está por trás da marca de sorvetes Da Sereia, fundada em 2015. Sua missão com as duas empresas é trazer mais aliados para a causa vegana pelo estômago. “Sempre gostei de pensar em receitas e de veganizar (criar versões veganas de receitas tradicionais) comidas. Ao mesmo tempo, desde nova já me entendia como ativista.”
Mas se engana quem pensa que as ideias do Pop e da Da Sereia vieram de alguma faculdade de gastronomia ou administração. Carol começou a cursar Hotelaria em 2000 mas, depois de um ano e meio, viu que o curso não era bem o que esperava. Resolveu, então, se dedicar integralmente à King 55, a loja de roupas do pai, então com uma pegada streetwear. Ela fazia de tudo e diz ter formado, ali, a base de sua veia empreendedora.
Com o aval do pai empreendedor, Carol teve espaço para iniciar “uma pequena grande revolução” e substituir no catálogo da loja todo e qualquer produto que levasse matéria-prima de origem animal (tal como couro, lã e seda). Depois de “veganizar” a loja, e de aprender muito no caminho, em 2010 Carol entendeu que era hora de buscar novos desafios. “Para ter uma vida profissional rica, a pessoa não pode ficar do começo ao fim no mesmo business”, diz.
Nos anos seguintes, ela trabalhou em diversas marcas de moda e no ramo de cama, mesa e banho. Mesmo não sendo a proprietária, conta que via-se cuidando de todas as áreas, com uma visão gerencial, em todas as empresas por onde passou. Para ela, isto é uma influência do pai, que a ensinou a ter controle e cuidado com os mínimos detalhes. “Nos meus outros empregos, sempre lidei de uma forma como se o negócio fosse meu também. Não tinha muito aquela sensação de ser funcionária e fazer só uma determinada função.” Porém, com o tempo, ela já não estava tão feliz com o que fazia e diz que pedia constantemente “ao universo” por outras oportunidades que lhe despertassem mais prazer e, claro, garantissem seu sustento.
COMO É “VEGANIZAR” RESTAURANTES
Não demorou muito para que seus pedidos fossem atendidos. Em 2014, o casalMônica Buava e Guilherme Carvalho, seus atuais sócios no Pop e consultores de negócios da Sociedade Vegetariana Brasileira (a principal ONG da causa no país) chamaram Carol para ajudar a popularizar e a veganizar o Barão Natural, um restaurante no centro da capital paulista que tinha um cardápio ovo-lacto-vegetariano (sem carnes, mas com ovos e laticínios). A atuação do trio de consultores deu tão certo que, em 15 dias, eles se uniram aos sócios do Barão, que hoje tem cinco unidades. Durante sua passagem pelo restaurante, ela pensava no cardápio, inventava doces, servia mesas e atendia clientes. A única coisa que não fazia era cozinhar receitas salgadas. “Sou um desastre na cozinha. Consigo criar e pensar nos pratos, mas se eu colocar a mão para fazer sempre dá errado. Não me dou bem com fogo, mas me dou bem com liquidificador e comidas frias.”
A facilidade de criar as preparações doces e geladas combinou com um apelido que ela já tinha, o de Sereia, nome que empresta a sua marca de sorvetes, a Da Sereia, desenvolvida na mesma época em que empreendia o Barão Natural. Os produtos começaram a ser fabricados em pequena escala, com um investimento inicial da própria Carol, de 30 mil reais, e comercializados ali mesmo no restaurante.
Sabores criativos, como o Loko (bala de coco com paçoca) ou o Hare-Hare (hibisco, rosas e limão), vendidos como picolé, a 5 reais, ou no pote, por 8 reais, conquistaram os fregueses. Aos poucos, as invenções passaram também a ser distribuídas em todo o estado de São Paulo com a ajuda do irmão de Carol, Amauri Caliman. Ele entrou como seu sócio para profissionalizar e expandir a proposta. Hoje, a Da Sereia também é encontrada no Rio de Janeiro e ostenta, como conta a empreendedora, o título de primeira marca brasileira de sorvetes veganos de ampla distribuição, com um faturamento de 180 mil reais no último ano.
A união com os fundadores do Barão Natural funcionou até o começo de 2017, quando Carol, Mônica e Guilherme decidiram embarcar em uma empreitada do zero e abrir o Pop Vegan Food. Essencialmente, a ideia é a mesma: democratizar a alimentação vegana, derrubar o mito de que ela é cara, e servir o máximo possível de pessoas com qualidade. Ideias que, para Carol, resumem o ativismo na prática, “da boca para dentro”, como afirma:
Veganismo não é só uma escolha pessoal. Quando se é vegano pensando nos animais, é preciso ser ativista de alguma maneira
Carol Caliman
Às segundas-feiras, quem almoça no Pop paga apenas 10 reais: uma maneira dos sócios de apoiar a Segunda Sem Carne campanha para incentivar que as pessoas tirem do cardápio, por pelo menos um dia da semana, este alimento. Já de terça à sexta, o preço é 15 reais e, aos sábados, 18. Nas noites de rodízio de pizza, de terça à quinta-feira, por 34 reais, o cliente come quantos pedaços quiser — e também há a opção delivery.
O plano do trio é primeiro “atender muito bem” em apenas um ponto comercial para, depois, pensar em expandir. O Pop fica na rua Fernando Albuquerque, bem próximo à Avenida Paulista e foi pensado para servir diariamente quem trabalha na região, além dos veganos habitués do bairro. Desde a inauguração, no almoço e no jantar, as mesas estão sempre cheias, diz a sócia.
O recorde até hoje foram 500 refeições vendidas em um único dia e uma média de 700 pizzas por semana. Carol também sonha grande em relação ao seu outro negócio. Quer aumentar o cardume Da Sereia, ou melhor, criar sabores mais convencionais para ampliar o público e atingir outros estados. Por enquanto, ela saboreia cada conquista com calma. Sabe que transformar o paladar e, quem sabe, o ideal das pessoas leva tempo. Um bocado por vez.